segunda-feira, 5 de abril de 2010

Ainda o "jornalismo cidadão", o caos informativo e a visão de Michael Schudson

Li com grande interesse o post que a Vanessa Quitério escreveu aqui há poucos dias sobre o “jornalismo cidadão”, bem como os comentários que gerou e o post do João Monge sobre a reportagem da Rita Colaço na RTP. Num dos comentários ao primeiro, afirmava-se que não existe “jornalismo cidadão”. No fundo, consigo concordar e entender muito bem o excelente texto da Vanessa, como entendo também muito bem o referido comentário. E atrevo-me a resumir ambos numa frase: “jornalismo é jornalismo”.
Sempre rejeitei a ideia de que havia vários tipos de jornalismo e mesmo que existisse bom e mau jornalismo. Na verdade, aquilo a que muitos chamam o mau jornalismo, não é sequer jornalismo, pois não existe entre os textos ou peças em causa qualquer comprometimento com a verdade, com o rigor e com o interesse público que caracterizam o jornalismo e, no fundo, a notícia. Nesse sentido, o tal “jornalismo cidadão” não existe, porquanto não é possível garantir a presença desses ingredientes fundamentais, ainda que pontualmente ou sempre, possam até existir.
Dito de outra forma, podemos aceitar que um curandeiro ou “endireita” nos resolva melhor certo tipo problema de saúde, mas dificilmente poderemos catalogar a sua actividade como sendo medicina. Não se confundam estas minhas palavras com qualquer fundamentalismo. Ou seja, de princípio, nada tenho contra quem escreve nos blogs - tanto mais que estou entre esses - e não me custa a aceitar que a informação de alguns blogs seja, afinal, muito relevante e credível. Não aceitar esta actividade como legítima e saudável, seria não aceitar os mais elementares princípios da liberdade de expressão. E não aceitar o seu valor informativo, seria imprudente.
O problema parece, por isso, resumir-se à rotulagem da actividade de “bloggers” como eu ou como a Vanessa Quitério, sejam eles portadores de formação ou carteira profissional ou não. Melhor dizendo, o problema do "jornalismo de sofá" reside na sua certificação. Só que a questão da rotulagem ou certificação não é uma questão menor e chamar “jornalismo” – ainda que acrescentando o termo “cidadão” – pode ser perigoso. E é por isso que a Vanessa, o promotor deste blog e todos os que quiserem meditar e debater este assunto, como estamos aqui a fazer, prestam um relevante serviço.
Há uns tempos, ouvi uma excelente entrevista ao sociólogo e historiador do jornalismo Michael Schudson, onde este faz uma extraordinária reflexão acerca do jornalismo de hoje, face ao jornalismo de antigamente. Um dos problemas que este autor norte-americano identifica está, precisamente, na incapacidade das novas gerações para distinguirem os vários níveis de informação. Nomeadamente, a informação que resulta de “talk-shows” e a que resulta de noticiários. Diz este sociólogo sobre o assunto, que as mais recentes gerações não conseguem sequer distinguir entre a informação veiculada em crónica de opinião e a informação jornalística e noticiosa.
As explicações de Michael Schudson para este fenómeno são várias. A principal das quais tem a ver com a profusão de meios e veículos de comunicação que existem hoje, com o excesso de fontes e com a necessidade permanente de gerar “notícia”. Os portais de notícias, blogs, redes sociais, rádios de informação e TV’s de informação que hoje existem no éter e no cabo, obrigam-se a um ritmo informativo tão frenético que, a dada altura, não existe informação realmente relevante (a notícia) para abrir o noticiário ou para colocar em manchete. Assim, mesmo aquilo que não deveria ser notícia (ou se quisermos, aquilo que realmente não é notícia), acaba por ser destaque em jornais, sites, blogs e noticiários. Diz o autor que, em rigor, quando não houvesse notícia, os jornais deveriam assumi-lo, escrevendo: “hoje não aconteceu nada de especial”.
O ritmo informativo dos nossos dias acaba por ser maior do que o ritmo do Mundo e da nossa própria mente e, a dada altura, o "fait-divers" ou a "não notícia" salta para a primeira página, com grande facilidade, simplesmente, por não haver verdadeiro notícia para lá colocar.
Se fizermos uma busca de determinado assunto no Google, que hoje é barómetros de biliões – e também dos jornalistas, como há dias aqui escrevi no meu post de abertura deste blog – o resultado é apresentado não pela ordem de credibilidade, de sustentação deontológica ou de rigor, mas pela ordem do interesse do público e do número de “cliques” que o link já gerou. A informação difundida pelo “jornalista cidadão”, às vezes anónimo e não escrutinável, pode aparecer-nos à frente da “verdade jornalística”, sedimentada e sustentada em formação, legislação e deontologia. E o pior é que as duas concorrem sem valoração do meio que as difunde.
Por tudo isso, não me preocupa tanto que todos nós assumamos o papel do “denunciador”, do “informador”, da “fonte” e do “opinador”. Mas chamarmos-lhe “jornalismo” apenas pode contribuir para fomentar a confusão que hoje está instalada na consciência colectiva acerca do que é, realmente notícia. Confusão que não afecta apenas o receptor, mas que provoca danos no emissor. Se os blogs estão a ficar cada vez mais parecidos com órgãos de informação jornalística, a verdade é que também os jornais, portais e noticiários estão cada vez mais parecidos com blogs, no melhor – eventualmente – e no pior – certamente!
Diz Michael Schudson que a profusão de meios não melhora a nossa capacidade de pesquisa da informação: “quanto mais sítios tivermos para procurar, mais difícil será encontrarmos o que realmente queremos e o que realmente interessa” e diz também que "não há informação suficiente para alimentar as manchetes dos portais de informação, que mudam minuto a minuto".
O quadro traçado por Schudson está correcto, em minha opinião. Aquilo que aparentemente poderia significar mais acesso à informação e mais diversidade, acaba por aumentar a entropia e afunilar a informação para os temas que vendem, confundindo-os com os que realmente possuem conteúdo informativo de interesse público.
Se deveremos deixar de escrever posts como os nossos em blogs como este? Claro que não. Mas à medida que aumenta a entropia para a qual contribuo alegremente neste blog, no twitter e no facebook, deveria aumentar o rigor das chefias dos ditos órgãos de informação jornalística na escolha da informação, da manchete, da primeira página e distinguir-se claramente o jornalismo do resto que aqui fazemos... "open source" ou não!
Contudo, não é o que acontece. Hoje, na ânsia de vender papel, um “alegadamente, a fonte terá alegado” ou um “possivelmente poderá ter acontecido”, são manchete e atiram para as primeiras páginas notícias cor-de-rosa ou simplesmente negras que, além do mais, estão a matar o jornalismo e, pelo caminho, às vezes destroem vidas.

Oiça aqui a entrevista a Michael Schudson

1 comentário:

  1. De acordo: jornalismo é jornalismo (ponto).

    Radiojornalismo, é jornalismo. Fotojornalismo, é jornalismo. Ciberjornalismo, é jornalismo. Videojornalismo, é jornalismo. 'Jornalismo do cidadão', não é jornalismo (contributos podem, ou não, integrar o processo).

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