domingo, 27 de janeiro de 2013

Prefiro morrer sozinho a receber as condolências de um político

Há uns anos, um jornal nacional fez uma história ao jeito “olha como ele é populista” sobre um autarca que mandava condolências às famílias de todos os munícipes falecidos. Hoje, após um lamentável acidente que vitimou 11 pessoas, o Presidente da República enviou oficialmente condolências às famílias das vítimas e ninguém estranha.

Na prática, é a mesma coisa e nem vale a pena virem-me com a ideia de que morrerem 11 pessoas é uma tragédia e morrer só uma não é, porque a morte de alguém próximo é sempre uma tragédia e as tragédias são sempre incomensuráveis, pelo menos para os seus familiares. E era a eles que se dirigiam as condolências.

Além do mais, as condolências do Presidente da República levam-me a outra questão: quantas pessoas deverão morrer num mesmo acidente para que os familiares de cada uma delas tenham o direito a receber as condolências presidenciais? É que já tenho sabido de acidentes onde morrem cinco, quatro, seis e não me consta que haja condolências de Belém.

Se o autarca alvo da chacota no jornal, a que me referi no início deste texto, é populista, então o mínimo que se pode dizer do Presidente da República é que é um populista pouco equitativo e que, em coerência, deveria enviar-se a si próprio para o Tribunal Constitucional a fim de averiguar a constitucionalidade sucessiva dos seus pêsames. Uma coisa sei: o autarca criticado pelo jornal passava nesse acórdão.

Mas a questão das condolências às famílias das vítimas da Sertã tem ainda um episódio mais estranho. José António Seguro, secretário-geral do PS, também enviou condolências, podendo-lhe ser aplicadas as mesmas questões de iniquidade constitucional que se colocam ao Presidente da República, mas neste caso Seguro apenas o fez “às famílias dos portugueses mortos”.

Que conste todos os acidentados eram portugueses. Ou melhor, por ausência de informação das suas nacionalidades presume-se que fossem. Porquê, então, Seguro especificar “portugueses”? E se, entre os mortos, um fosse tailandês ou, por exemplo, brasileiro? Ficaria de fora das condolências socialistas? E se fossem todos estrangeiros? E se os estrangeiros fossem turistas ingleses ou emigrantes quenianos, haveria diferença?

O Partido Socialista português só lamenta mortes nacionais, mesmo que ocorram num acidente na Sertã? E se Seguro soubesse que entre as vítimas estariam 10 portugueses e um espanhol, descriminaria? E se fossem de 11 nacionalidades diferentes? Nomearia cada uma das nacionalidades, daria condolências às famílias de apenas o português presente ou, não estando cumprida a cota mínima de mortos portugueses que os políticos importantes e não autarcas populistas consideram, não daria a ninguém?

Seja como for, espero morrer sozinho, para que a minha família não tenha que receber condolências de quem não conhece e, na realidade, não lamenta nada, apenas cumpre hipocritamente um dever de populismo estúpido.

Sem comentários:

Enviar um comentário