segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Os sobreiros do meu avô e a saída do euro

O meu avô nasceu no primeiro ano do Século XX. Quando eu ainda nem andava na escola, nos últimos anos da ditadura, plantou comigo várias laranjeiras que me ofereceu. Delas já comi fruta durante muitos anos. Não plantou sobreiros porque “demoram muito a dar rendimento”. Se o tivéssemos feito, as árvores ainda esperariam hoje pela cortiça que viria apenas a tempo dos meus filhos dela lucrarem. O meu avô, do alto da sua personalidade austera, percebia que os tempos que a minha geração representava, já não eram os seus. Que os relógios do futuro não precisariam que diariamente lhes dessemos corda, como então me ensinara a fazer no seu velho “Omega”. Que deixaríamos de ser nós a dar corda aos relógios e que seriam os seus ponteiros a comandar os nossos dias. Apesar desta precessão avançada que o meu avô tinha dos tempos que se avizinhavam, a verdade é que nunca poderia imaginar a degradação frenética em que a vida pública e política viria a cair quarenta anos depois. Nem poderia calcular que, do extremo de plantarmos árvores para rendimento dos nossos netos, em menos de meio-século, passássemos a um regime social em que a nossa paciência para ver crescer o fruto da nossa sementeira se medisse em horas ou dias, no limite. Há um ano, Portugal acreditou numa solução para o país e plantou laranjeiras: a consolidação das contas públicas, ajudadas por um empréstimo colossal aos nossos credores de sempre. Acreditou que isso nos faria sofrer durante quatro ou cinco anos, antes de voltarmos a uma perspetiva de crescimento e prosperidade. A solução revelou-se mais dura do que pensámos ou do que nos contaram. Por erro de paralaxe, de quem deveria saber muito mais do que nós, ou por imperativo eleitoral - como sempre - deram-nos mais esperanças do que eram devidas. Hoje Portugal parece não acreditar tanto no Governo que elegeu e nas soluções encontradas. Um ano de sacrifícios bastou para que tivéssemos vontade de derrubar o laranjal, antes de comer a primeira laranja. Logo se levantam, então, os que advogam a saída do euro, o incumprimento, a renegociação da dívida como solução de futuro. Como a forma de sustentar, a longo prazo, um futuro para os nossos… netos. Ou seja: querem cortar pela raiz as jovens laranjeiras e plantar, de novo, velhos sobreiros. Não sei – não sei mesmo – qual a melhor solução de futuro. Se o moderno laranjal se os velhos sobreiros. Mas sei uma coisa: se a solução das laranjeiras, com a qual 80% dos portugueses concordava há um ano atrás não serve, apenas porque a terra é mais dura do que nos contaram e se as laranjas são mais escassas e amargas do que pensámos, quem poderia apoiar a outra solução quando daqui a uma década ainda esperássemos sentados sem nenhum usufruto dos nossos sobreiros?

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