quinta-feira, 13 de maio de 2010

Um Primeiro-Ministro mitómano?

Em Maio de 2009, inspirado pelo discurso optimista do Primeiro-Ministro, armei-me em empreendedor. Dizia o Primeiro-Ministro que Portugal estava a resistir melhor à crise do que os outros. O Primeiro-Ministro dizia que era preciso quem arriscasse, quem apostasse na qualificação e na criação de mais-valias e riqueza para o país. O Primeiro-Ministro prometeu apoiar as PME’s e ajudá-las a resistir à crise. E prometeu não subir os impostos. Prometeu-o em Maio de 2009, quando abri a empresa, e prometeu na campanha eleitoral que se seguiu. E prometeu ainda na semana passada, um ano depois, no Parlamento, perante os deputados da Assembleia da República. E prometeu em todo o lado, mesmo depois de ter apresentado em Bruxelas um plano de estabilidade em crescimento.

Ontem de manhã, ouvi o Primeiro-Ministro dizer que Portugal tinha sido o país que mais tinha crescido no primeiro trimestre em 2010. À noite, contudo, rezava o Papa em Fátima e jogava o Atlético de Madrid a final da Taça UEFA, recebi uma mensagem: “Notícia TVI: IVA, IRS e IRC vão subir”.

Eu, que em Maio acreditei no Primeiro-Ministro e que criei, com os parcos capitais próprios que encontrei nos meus bolsos e nos de alguns amigos, uma empresa geradora de emprego e riqueza. Eu que, afinal, não tive acesso às linhas de crédito anunciadas pelo Governo, pois essas destinavam-se apenas a empresas com mais de três anos. Eu que ajudei a baixar os números do desemprego e que contribui para o PIB. Eu que criei uma empresa que não deve um “chavo” ao Estado nem recorri ao crédito, acreditei que Portugal precisava de empreendedores e de mais-valias.

E tinha boas razões para acreditar. No discurso do Primeiro-Ministro havia sinais de confiança. Só para a Indústria Automóvel havia há um ano mil milhões de euros para manter a coisa a funcionar como estava. Para o BPN houve mais de 3 mil milhões para tapar buracos que aldrabões criaram durante anos perante a passividade do Estado. Para as energias renováveis havia incentivos e isenções de impostos. E para todo o país (leia-se, sobretudo, Lisboa) havia até o famoso investimento público, que prometia o céu às empresas nacionais, como alavanca da criação de emprego. Eram TGV’s para todo o lado, auto-estradas ao lado umas das outras e aeroportos onde já os havia. E havia ainda obras sem concurso, para tapar a urgência de arranjar escolas que o mesmo Primeiro-Ministro tinha deixado ao abandono durante quatro anos. “É preciso investir, agora que temos as contas públicas em ordem”, dizia, e acrescentava “fazemos estes investimentos para contrariar a crise PORQUE PODEMOS, pois TEMOS AS CONTAS PÚBLICAS EM ORDEM”.

Tudo se esfumou em poucos dias, afinal. Entre o discurso de há uma semana na Assembleia da República prometendo que não aumentaria impostos e o sms que ontem me chegou durante a missa do Papa e o jogo de futebol, não aconteceu nada de especial. Nem em Portugal nem nas contas públicas nem nos mercados internacionais. Ontem com aquele sms, fiquei a saber que o Primeiro-Ministro, afinal, iria passar a penalizar a mais-valia (IVA) que o meu empreendedorismo tem criado, a riqueza que a minha empresa conseguiu (IRC) e o estímulo ao trabalho e ao emprego a que tanto me incentivou (IRS).

Entre o discurso do Primeiro-Ministro na semana passada na Assembleia da República e o sms anunciando a penalização à criatividade, empreendedorismo e criação de emprego, quase nada terá acontecido de substancial nem nada novo se soube que todo o país não soubesse já. E entre Maio de 2009 e Maio de 2010, nada aconteceu a Portugal que não tenha sido previsto por Manuela Ferreira Leite. E ela disse-o e repetiu-o. Vezes sem conta! Mesmo assim, acreditei na palavra do Primeiro-Ministro!

É por isso um mistério, o que terá acontecido na cabeça do Primeiro-Ministro, entre aquele discurso na Assembleia da República, há oito dias, e a decisão ontem tomada, de subir os impostos. A não ser que acreditemos que o Primeiro-Ministro tenha finalmente percebido que mentia compulsiva e inconscientemente (qual mitómano) ao país, aos empreendedores, aos trabalhadores e até a si próprio e se tenha, subitamente, convertido à realidade, resgatado das suas próprias fantasias.

Só se assim fosse compreenderia Sócrates, enquanto mitómano agora curado e surpreendido com a realidade paralela em que viveu durante anos. Contudo, mais uma vez, algo não bate certo. Se o Primeiro-Ministro tivesse vivido de uma fantasia própria, qual inimputável agora devolvido à consciência, o seu primeiro acto ao perceber o que nos fez e no que nos tornou, não teria sido subir os impostos, mas suicidar-se.

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