sábado, 23 de fevereiro de 2013

A expropriação da "Grândola" pela esquerda

A tendência para a esquerda se apropriar de património que não lhe pertence é estrutural. Sempre assim foi, em Portugal e no Mundo. No Mundo, com ditaduras leninistas e marxistas cujas qualidades me escuso de recordar. Em Portugal, a esquerda apropria-se frequentemente dos direitos exclusivos da razão, do povo, dos trabalhadores. Como se a razão, o povo e os trabalhadores não a contrariassem sistemática e repetidamente a cada ato eleitoral.

Uma das expropriações que a Esquerda fez a um património que é coletivo foi a da música Grândola Vila Morena. Da autoria de José Afonso, que a escreveu em 1971, o tema, hoje já sem direitos de autor e portanto património coletivo, é um hino à democracia e um elogio à capacidade e direito de escolha do povo.

A música ficou ligada à revolução, quando três anos depois, o movimento das forças armadas a resolveu utilizar como senha radiofónica. A revolução serviu para repor o direito de escolha do povo, em democracia. Teve sucesso, nessa medida.

Em 2013, mais de quatro décadas após José Afonso a ter escrito em ditadura, há uma certa esquerda, disfarçada de anarquista, que expropriou a canção ao povo português, ao Alentejo e a José Afonso. A música que serviu para elogiar o direito à escolha e ajudou a construir a democracia constitucional que Portugal adotou após o 25 de Abril de 1974, serve hoje para contrariá-la.

Afinal, Portugal vive atualmente num regime democrático, livre, constitucionalmente estável e reconhecido pela comunidade internacional. Desde a revolução, os portugueses têm escolhido quem os governe e quase sempre num mesmo sentido, elegendo livremente os partidos do centro ou centro esquerda (às vezes um pouco mais à direita) mas nunca tendo elegido a esquerda comunista ou mesmo revolucionária que, após o 25 de Abril de 1974 tentou implementar, ela própria, uma ditadura de esquerda, de inspiração marxista-leninista e apoio soviético.

Se o desejo expresso por José Afonso na canção se concretizou em 1974 com a queda da ditadura de direita e continuou a cumprir-se no 25 de Novembro de 1975, acompanhando-nos até hoje. “O povo é quem mais ordena” e é, de facto assim. Tem sido assim. Mesmo que ordene coisa diferente daquela que o autor esperava e que a esquerda minoritária e ressabiada com o que ordena o povo.

Querer, por isso, lutar com armas democráticas, como é a memória de uma música, contra a democracia que é apregoada na mesma música, não é nada bom sinal e faz lembrar as igrejas da intrujice que usam a Bíblia como “Palavra”. E é o que está a acontecer. Porque, na realidade, aquilo que cantam a meia-dúzia de manifestantes que corre o país atrás de governantes, não é a apologia à escolha do povo. A escolha do povo está feita e repetidamente feita num sentido.

O que cantam, abusando do espírito de um falecido autor, é que a vontade de uma pequena parte do povo se sobreponha à vontade da maioria democrática. Ou seja, conspurcando a letra e a música de José Afonso – que guardo desde pequenino na minha discografia em vinil – o que cantam é a apologia a uma ditadura de esquerda, marxista-leninista, de inspiração soviética ou então, a anarquia, que nunca teve, sequer, uma face visível em Portugal. Tal e qual tentaram fazer após o 25 de Abril, os mesmos ou outros parecidos, cantam a “Grândola” contra o povo e contra a vontade do povo. Ou seja, contra a “Grândola”.

Por muito que tentem fazer de conta que não, quem escolheu este Governo foi o povo. E será o povo a escolher o próximo. E o próximo será parecido com este.

E, sinceramente, da vez em que a lógica democrática e livre foi alvo de algo parecido com um golpe constitucional, contornando-se por portas travessas a escolha do povo, foi quando Jorge Sampaio resolveu, sem motivo democrático, deitar abaixo um governo legítimo. O resultado, não se esqueçam, foi a eleição de José Sócrates. O resultado de Sócrates foi o pedido de assistência externa. A perda de soberania. Nunca se esqueçam disso.

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