quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O homem endividado e o seu amigo de Paris

Um pacato cidadão passou 48 anos a aforrar, investindo mal tanto o dinheiro que poupava como na sua própria carreira. Tinha uns cobres no banco. Mas era pobre e iletrado.
A dada altura fartou-se da vida que tinha e olhou para os vizinhos, prósperos e cultos. Pegou no dinheiro que tinha e desatou a esbanjar, comprando o que precisava e o que não precisava, dando aos amigos e promovendo festas por toda a cidade.
O dinheiro esgotou-se rapidamente, claro. Mas o homem, já viciado no perfume dos charutos, começou a pedir empréstimos para viver no luxo e trabalhar cada vez menos.
Ao fim de 20 anos nesta vida, quando os credores sérios começaram a colocar restrições a novos empréstimos, recorreu a agiotas que um amigo elegante lhe apresentou. Especuladores que lhe emprestavam dinheiro a juros elevados. Assim andou durante quase 10 anos até ao quase desespero.
Aí, o homem acreditou que a solução poderia ser gastar ainda mais, para ver se criava mais amizades à sua volta e para ver se era visto em todo o lado bem vestido e assim gerar mais dinheiro e enganar os agiotas sobre a sua capacidade para pagar.
Um dia, os credores avisaram-no que estava prestes a ser despejado e a ficar com as suas contas bloqueadas. Os agiotas descobriram e ameaçaram-no. Foi então a correr a uma associação que fazia crédito consolidado que lhe emprestou muito dinheiro a juros mais baixos, para pagar as dívidas e se reabilitar. O amigo foi para Paris.
Na associação, disseram-lhe que mesmo assim era difícil, a menos que vendesse os carros que tinha, deixasse de comprar gravatas e charutos e só comesse bife duas vezes por semana. O homem aceitou as condições e agradeceu, mas uns dias depois fartou-se dos sacrifícios que agora lhe pareciam maiores do que tinha pensado. Lá os charutos tudo bem, mas nada de vender os seus carros e comer menos bife, “que injustiça”, diria. “Os meus colegas comem, porque não hei-de comer também?”, Indignava-se, comparando-se com os seus amigos que levaram uma vida regrada.
Nessa altura, o homem tinha duas soluções: ou continuava a pagar como combinou, comendo menos bife e andando a pé ou de transporte público durante alguns anos. Ou então, ia de novo ter com os credores que o ajudaram, chamando-lhes agiotas e recusando-se a pagar. Claro que se optasse pela segunda hipótese, nunca mais a associação que o ajudou ou os credores sérios que primeiro lhe emprestaram, o voltariam a fazer. Ficaria, por isso, por muito tempo, nas mãos dos últimos: os agiotas.
O homem hesitou. Mesmo que os bancos já se mostrassem de novo de acordo em emprestar-lhe com taxas razoáveis. Mesmo com a associação que o salvou lhe desse quase todos os dias os parabéns e com os amigos a apoiá-lo… o homem hesitou. Farto dos sacrifícios. Com saudades da prosperidade do dinheiro fácil.
Foi nessa altura que o amigo de Paris lhe começou a mandar mensagens – o mesmo que o tinha ajudado a gastar o dinheiro amealhado e que depois o apresentou aos agiotas – dizendo haver uma terceira via. Uma solução milagrosa, com charme e perfume.
A solução era fazer umas festinhas de novo aos credores, convencê-los a baixarem um bocadinho os juros e com muito optimismo poderia voltar a gastar à grande e à francesa e assim “crescer” para poder pagar tudo devagarinho.
Não sei o final desta história. Se o homem optou por cumprir com sacrifício os seus compromissos e sair à rua de cabeça erguida ou se preferiu a fuga indigente. O que sei é que a hipótese de ter acreditado de novo no amigo de Paris seria pura ficção científica.

 

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