segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Evocar Hitler para esquecer Portugal

Hitler pediu que o regassem com gasolina e que o queimassem, antes de se suicidar. Tinha medo que o seu corpo fosse embalsamado e fosse parar a um museu. Como se enganava. Há um ano visitei Berlim. Uma cidade fantástica, cheia de história, sem tabus e onde o holocausto é constantemente recordado não apenas aos alemães mas a todos os que visitam a cidade. Um pormenor apenas. Hitler nunca aparece. Ninguém foi tanto vítima de Hitler e o odeia tanto como os alemães. Vi exposições e museus sobre a guerra, sobre a paz, sobre a destruição e sobre a construção. E sobre os judeus. Mas nunca vi Hitler ou sequer o seu nome escrito. Os alemães vivem com o peso do seu passado, das atrocidades cometidas pelo e ao seu povo num passado mais ou menos recente. Fazem-no com pudor, mas com responsabilidade. Já Portugal faz desde há 35 anos um esforço brutal por fingir que não foi a base de atrocidades, atropelos e guerras fratricidas. E não deixa de ser curioso que hoje, a propósito da visita de Angela Merkle a Portugal, não pare de evocar Hitler e as “oportunidades” que a Europa deu à Alemanha no passado. Como se Portugal não tivesse tido, mais cedo do que a Alemanha, a tentação de tomar o Mundo que não lhe pertencia, como se Portugal não tivesse cometido em África, mais recentemente, atrocidades parecidas às da Alemanha nas Guerras Mundiais. Não vale a pena estabelecer diferenças e sublinhar a escala. A guerra é a guerra e a nossa História está cheia delas, cada uma no seu tempo, enquadramento, contexto, imoralidade e crueldade. Há, de facto, uma diferença entre Portugal e a Alemanha. A Alemanha sempre se soube levantar, redimir e até conviver com os seus mais hediondos pecados, enquanto Portugal sempre os varreu para debaixo do tapete, sacudindo culpas e escondendo tanto os seus heróis e mártires como os seus tiranos. É por isso que não crescemos, por recalcarmos um passado que, depois, nos persegue. Como nunca arrumamos a discussão do passado, nunca aprendemos a gerir o presente. Em vez de constantemente fazermos comparações absurdas e pouco esclarecidas entre Hitler e Merkle, deveríamos talvez estar a tentar perceber que raio de governantes tivemos nos últimos anos e onde param os 170 mil milhões de euros de endividamento que atingimos no fim da governação Sócrates, metade dos quais vinha de trás e metade dos quais foi por si contraído. Se não sabemos aprender com a nossa História e entramos em permanente negação sobre o que temos feito, como podemos evocar a História bem resolvida dos outros?

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