Ao ver José Sócrates entrar triunfante no Congresso do PS – triunfante e sorridente – perguntei-me por que razão radiava felicidade aquele senhor, ao acenar aos congressistas enquanto caminhava para o palco. Demorei alguns minutos até perceber a razão. À medida que o seu discurso evoluía, percebi que Sócrates estava em casa. Não por estar rodeado de umas centenas de acólitos correligionários mais ou menos domesticados, mais ou menos tão uníssonos como serão, porventura, os conselheiros de Kim Il-Sung. Sócrates sentiu-se em casa por outro motivo. Por que, durante este Congresso, pôde – ao fim de seis anos – voltar a ser aquilo que lhe corre nas veias: o sangue vermelho que embebe a força, a garra, a ferocidade de um líder da oposição.
Na verdade – durante os seis anos anteriores, e apesar de empossado por duas vezes como Primeiro-Ministro, Sócrates nunca se conseguiu libertar da alma de líder da oposição. Nunca se habituou à ideia de que os seus discursos, orientações, decisões, não teriam apenas repercussões retóricas nem seriam apenas arietes apontados ao poder. Sócrates nunca foi, no seu íntimo, Primeiro-Ministro. Nunca entendeu que as suas acções e programas têm, de facto, implicações práticas e directas na vida de pessoas, de famílias, de crianças. Entendi então, e pela primeira vez em anos, a sua felicidade. E entendi o alcance das suas palavras, quando afirmou para o seu rebanho manso na Exponor que lutaria “com alegria” pela vitória na campanha eleitoral. José Sócrates estava em sua casa, pavoneando a sua vocação: a vocação de líder da oposição, populista e irresponsável, podendo dizer o que lhe vem à cabeça, seja mentira ou verdade, que estique a corda até ao poder, mesmo que o poder não posse por si nem por si possa ser alcançado. Mesmo que o poder o torne triste por ter – nesse papel – que amansar o animal feroz.
Sócrates não tem, portanto, culpa de nada do que se passou neste país nos últimos seis anos. Não porque não tenha, efectivamente, hipotecado boa parte da vida dos nossos filhos. Sócrates não é culpado porque é inimputável. Sócrates não é mentiroso, é mitómano. É por isso que enquanto o país se afunda perante medidas e decisões que fazem fome e dor em milhares de reformados, crianças, indigentes, desempregados, doentes e até muitos trabalhadores, Sócrates consegue sorrir… “com alegria”. É que, como qualquer líder da oposição, ele acredita que vai um dia chegar ao poder, mudar Portugal e resolver os nossos problemas. E é, também, só por isso – por ser mitómano – que Sócrates, no mais gravoso anúncio à Nação e no desespero da chamada do FMI, tenha ainda conseguido ensaiar, durante meia-hora, a sua postura perante as câmaras, o seu perfil, com alegria e descontração.
O discurso de Sócrates na abertura do Congresso do PS terminou uma hora depois de ter começado. Imaginei quanto tempo Sócrates terá perdido, nas últimas semanas, a escrever, testar e voltar a ensaiar aquele discurso de verdadeiro líder da oposição. Imaginei que esse processo de maturação daquele elogiado e aplaudido discurso tenha durado uma semana. Imagino-o horas fio, com o “Luís”, a fazê-lo e a reavaliar em que posições deveriam ser colocadas as mãos, os olhos, a expressão. E imagino a massada que terá sido para ambos, terem interrompido a importante actividade de media-training de Sócrates – o líder da oposição – para escrever uma singela carta ao FMI, a pedir ajuda para uma Nação que, durante seis anos, se encarregaram de falir. Uma falência cuja culpa, numa penada atribuem a quem imaginam ser já o Primeiro-Ministro: Pedro Passos Coelho!
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