Há dois anos, o Governo decidiu mudar o sistema de contratação  pública em Portugal. Em nome da “simplificação” e da “desmaterialização”  dos processos, o Estado passou a obrigar que todas as contratações  acima de um valor muito diminuto passem a ser feitos em plataforma  electrónica. Ou seja, o sistema antigo, que obrigava as entidades a  publicarem anúncios nos jornais e os concorrentes a responder através de  um dossiê em papel, foi substituído por um sistema onde tudo acontece  electronicamente, num site. Que site? São portais de contratação  pública. Empresas privadas que vendem os seus serviços às entidades  públicas para estas poderem contratar.
Tirando o efeito colateral  de ajudar a matar a imprensa local, esvaziando-a de uma receita que ia  tendo, estes sites deveriam ajudar a simplificar e tornar mais  transparente e fidedigno o processo de contratação. Contudo, quem com  eles tem que trabalhar não diz a mesma coisa.
O processo começa a  complicar-se quando quem contrata é obrigado a comprar certificados  qualificados (em Portugal só existe uma entidade a emitir e vender este  tipo de certificado, funcionando, por isso, praticamente em monopólio)  e, em algumas plataformas, abrir a segurança do computador a níveis  perigosos e nada normais. A complicação continua quando algumas  plataformas “obrigam” as entidades contratantes a trabalharem com  determinados sistemas operativos ou browsers, normalmente, da Microsoft.  Mas não termina aí o pesadelo. As mudanças nos sistemas são constantes e  os erros ainda mais frequentes. Aquilo que deveria ser simples e  intuitivo, é complicado e nada parecido com nada que conheçamos em  informática ou portais.
Depois, prosseguimos com uma invenção mais  recente: a “validação temporal”. As entidades que pretendem ser  contratadas têm que validar o envio de documentos com “selos temporais”.  Uma espécie de “vírus” informáticos que servem para atestar a hora  exacta de um upload. Esses “selos” são vendidos pelas próprias  plataformas e não são transaccionáveis entre plataformas, o que obriga a  uma situação de clara falta de concorrência. Ou seja, eu se quiser ser  contratado ou concorrer a um concurso público sou obrigado a pagar a uma  empresa privada algo que a Lei me obriga a pagar a um preço que essa  empresa entender como bom, não podendo fazê-lo a mais nenhuma empresa  concorrente. É como se nos obrigassem a comprar o impresso do IRS a uma  empresa privada e não a qualquer outra, sendo o preço feito pela mesma.
Por  fim, o absurdo de todo o processo. Vejamos um exemplo. Para se ser  contratado pelo Estado (seja um singular seja uma empresa) temos que ser  gente de bem, sem cadastro criminal. Até aqui tudo bem. O problema é  que sempre que uma empresa é contratada, terá que apresentar um  certificado de registo criminal. Esse certificado é enviado, como os  outros documentos, via plataforma electrónica. Ou seja, depois dos  sócios se deslocarem ao Registo, onde pagam por um papel dizendo que não  são criminosos, digitalizam-no e enviam-no via plataforma electrónica.  Esse certificado leva um selo branco do Registo Criminal, mas como  sabemos os scanners não lêem selos brancos… O absurdo é total: pagar por  um papel que é certificado por selo branco, para depois o digitalizar e  enviar via plataforma… com um selo temporal! Pagamos duas vezes, mas  ninguém impede ninguém de, pelo caminho, ir ao Photoshop alterar o que  lá está escrito. Ainda mais caricato é o facto do primeiro passo de  qualquer processo de contratação começar com uma declaração do  contratado jurando por sua honra não ter cometido nenhum daqueles  crimes. Ou seja, primeiro o Estado pede-nos que juremos. Nós juramos,  mas o Estado não acredita. Pede-nos um certificado que custa dinheiro e  onde coloca um selo, mas depois o selo não passa no scanner pois a única  coisa importante é certificar a que horas o enviámos e isso… custa  outra vez dinheiro.
Tudo isto seria mais ou menos suportável caso  as plataformas funcionassem bem. Contudo, cada processo é um calvário,  com horas de assistência técnica ao telefone, com chamadas que não são  atendidas, com sistemas que vão abaixo, certificados que não são lidos,  logins que não acontecem.
E porque não funcionam esses sistemas?  Será por absoluta incompetência? Será por impossibilidade técnica? A  resposta talvez esteja no e-mail que reproduzo a seguir (de onde retirei  o nome da plataforma em causa) mas que nos dará uma pista. É que,  coitados dos desgraçados que se vêem enredados na necessidade de ganhar  um pequeno contrato com uma Câmara, um Instituto ou com um Ministério…  mais não lhes resta do que procurar ajuda! E imaginem quem ajuda: as  próprias plataformas que promovem toda esta complicação – com a ajudinha  do Governo que legisla longe do que é o País real. E que preço levam  essas plataformas – empresas privadas a funcionar sem concorrência – no  caso que se segue, 110 euros acrescidos de IVA por pessoa por três horas  de formação colectiva. Ensinam-nos a “desmaterializar”. Ensinam-nos o  que está “simplificados”. Ensinam-nos o que supostamente não deveria  necessitar de ensinamento. E nem sequer se maçam muito a prestar tal  serviço, pois até o material fica a cargo dos formandos.
Tudo isto  seria até interessante se necessário para melhorar a transparência e  eliminar a corrupção. O que não acontece. O único efeito possível deste  sistema absurdo, “moderninho”, mas totalmente tortuoso é matar muitas  PME’s que até iam prestando alguns pequenos serviços ao Estado,  sobretudo a Câmaras, Juntas e algumas entidades locais e, agora, sem  vêem impedidas de entrar num carrossel de absurdos em nome de um país  onde quem legisla não tem sequer a mais pequena ideia do que seja viver  ou sobreviver no labirinto legislativo que, espante-se, beneficia sempre  os mesmos.
A seguir o e-mail enviado por uma plataforma de contratação pública:
Exmo.(s) Sr.(s)
A nova versão da Plataforma Electrónica de Contratação Pública… é já uma realidade!
Assim,  e uma vez que o número de inscrições na última Acção de Formação sobre  esta versão ultrapassou em grande quantidade o número de vagas  disponíveis, vamos repetir este módulo formativo.
A próxima acção  vai decorrer em simultâneo em Lisboa e no Porto, no dia 18 de Março, e  tem a duração de 3 horas (sendo possível escolher entre o horário da  manhã ou o horário da tarde) e o custo de 110,00euros +  IVA/Participante. O pagamento do valor referente à inscrição na Formação  deverá ser efectuado por transferência bancária, para o NIB xxxx xxxxx   xxxxx xxxxx
A inscrição (preenchimento do formulário e  pagamento do valor respectivo) deverá ser efectuada até 5 dias antes da  data prevista, ficando sujeita a confirmação e a um limite de  participantes.
Apresentamos, de seguida, a Agenda da Formação
(deverá optar por uma das sessões)
Sessão da manhã:
9h30m - Boas Vindas
9h35m - Apresentação da nova versão da plataforma anoGov R2
9h45m - Formação nas novas funcionalidades da plataforma
10h45m - Realização de exercícios práticos
12h15m - Perguntas e Respostas
12h30m - Encerramento
Sessão da tarde:
14h00m - Boas Vindas
14h05m - Apresentação da nova versão da plataforma anoGov R2
14h15m - Formação nas novas funcionalidades da plataforma
15h15m - Realização de exercícios práticos
16h45m - Perguntas e Respostas
17h00m - Encerramento
Para obter mais informações sobre:
•    Prazos e Condições de participação;
•    Conteúdos da Formação;
•    Requisitos Técnicos para a participação na Formação,
deverá  consultar os separadores "condições" e "preço/pagamento", constantes do  Formulário de Inscrição e informação complementar presente em  www.xxxx.pt
Para se inscrever, aceda p.f. ao formulário de inscrição através do link:
Todos os participantes deverão levar computador e respectivo Certificado de Assinatura Digital Qualificado.
No final da Formação será entregue um Certificado de Formação aos formandos.
 
 
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