"A menos que os políticos portugueses que estão no poder acreditem que o doente que se chama Portugal já tenha perdido a consciência e que já não tenha sequer capacidade para decidir sobre o seu próprio destino, temos o direito a saber a verdade! Mas, se nisso acreditam, então Portugal será um doente cerebralmente morto... Ou seja, terá já morrido a democracia".
Nos últimos tempos tenho ouvido muitas vezes ser evocado o “interesse nacional” a propósito da economia portuguesa. De membros do Governo a comentadores, passando pelo próprio Presidente da República, vão-nos dizendo, entre dentes, que o melhor é estarmos caladinhos com esta coisa do défice e da dívida pública. Afinal, afirmam, já nos bastam esses “especuladores” estrangeiros a dizerem que estamos muito mal. E acrescentam: “temos que dizer que estamos melhor do que a Grécia para defender os interesses nacionais”.
Contudo, eu (como 99,99% dos portugueses) não tenho capacidade para avaliar a real situação do país. Tenho, por isso, que “acreditar” ou “não acreditar” no que vão dizendo.
Não vou, por isso, defender aqui a credibilidade dos avisos preocupantes que vêm do exterior sobre esta matéria. Mas não deixo de os ouvir e de me interrogar se estamos ou não à beira do abismo.
A questão está por isso no domínio da credibilidade de quem profere as afirmações. Devo acreditar no Presidente da República e nos membros do Governo sobre esta matéria? Ou devo acreditar em algumas “sumidades” mundiais que nos colocam a um passo do descalabro económico-financeiro?
Há, para já, dois indicadores que me preocupam no discurso dos portugueses que defendem a “saúde” relativa das nossas contas públicas.
Um desses indicadores é a evolução do discurso e dos números. O que nos foi dito há dois ou três meses é radicalmente diferente do que hoje nos é dito. Se o TGV e o Aeroporto (entre outras obras) eram obras imprescindíveis há três meses, hoje a sua construção é adiável. Se os impostos eram intocáveis há três meses atrás, a efectiva subida da carga fiscal é hoje uma realidade e parece nem resolver. Se os salários dos funcionários públicos eram inquestionáveis no trimestre passado, hoje estão congelados até 2013…
Ora, ou há três meses me mentiam ou Portugal é absolutamente incapaz de fazer contas. Na verdade, nos últimos três meses, nada de especialmente imprevisível se passou na economia. Pelo contrário, dizem-me que saímos da recessão. Daí que coloque a questão: porque razão hei-de agora dar credibilidade a quem demonstrou não a ter?
Mas há um segundo indicador que é fonte de preocupação no discurso português nesta matéria: é a permanente invocação do “interesse nacional”!
Explicando melhor, o que mais me preocupa é a expressão usada por Cavaco Silva quando afirma “temos que defender Portugal”.
Eu percebo que os mercados financeiros são sensíveis ao discurso. Mas quem de facto acredita na saúde e na recuperação das contas públicas nacionais não manifesta a sua posição justificando as suas afirmações com o “interesse nacional”. Quem acredita, defende simplesmente o que acredita, com números, com factos e com verdade, sobretudo, quando esse alguém é economista, já foi Ministro das Finanças, Primeiro-Ministro e é agora Presidente da República.
Mentir em nome do interesse nacional é o pior serviço que se pode prestar à Nação. E nem eu nem ninguém irá compreender que nos tenham mentido, apenas para não piorar o deplorável estado da Nação.
Um dos direitos de um doente é ter plena consciência do seu estado de saúde. E os médicos são deontologicamente obrigados a comunicá-lo, mesmo que a notícia possa agravar o estado anímico do doente. Afinal, se vamos morrer temos o direito a sabê-lo. E temos até o direito a tentar salvar-nos por outras vias… escolhendo outro médico que não nos minta, por exemplo.
A menos que os políticos portugueses que estão no poder acreditem que o doente que se chama Portugal já tenha perdido a consciência e que já não tenha sequer capacidade para decidir sobre o seu próprio destino, temos o direito a saber a verdade! Mas, se nisso acreditam, então Portugal será um doente cerebralmente morto... Ou seja, terá já morrido a democracia.
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