O primeiro relatório feito pela Inspecção Regional de Educação parece não confirmar que a morte de uma criança que alegadamente se suicidou tenha qualquer coisa a ver com agressões de que seria alvo – alegadamente - por parte de colegas de escola. Aliás, o inquérito nem sequer apurou que tenham existido agressões. Aliás, para esta conversa, nem interessa. O que interessa é que neste país, com o altíssimo patrocínio da comunicação social e até da classe política – insensível e absurdamente irresponsável – valores como os da presunção da inocência e os do respeito pela vida humana são muito pouco considerados. Basta um familiar apontar o dedo, basta um ignorante dizer que vai processar fulano e a notícia está feita. O que ontem era um anónimo desconhecido para os jornalistas, transforma-se em fonte, capaz de conduzir a notícia.
Sem subterfúgios ou meias palavras, o digo: quando José Sócrates é alvo de qualquer acusação, mesmo que criminalmente pouco relevante ou não provada, logo aparecem coros de virgens ofendidas clamando e invocando direitos constitucionais, como os da presunção da inocência, segredo de Justiça ou direito à privacidade. Mesmo que o que esteja em causa sejam comportamentos políticos lastimáveis e mesmo que as suspeitas resultem já não apenas de alegações jornalísticas ou de seus inimigos políticos, mas já de processos judiciais, iniciados por magistrados judiciais e confirmados por juízes.
Contudo, este legalismo que nos impede de questionar sequer o que é politicamente relevante e resulta, não de qualquer presunção de culpa, mas dos factos conhecidos e não desmentidos, não se aplica ao vulgar cidadão. Esse, que deveria estar especialmente protegido da exposição pública e da culpa não formada, é muitas vezes sumariamente acusado, julgado, condenado e, mesmo sem factos minimamente consistentes, ou apenas com uma denúncia de uma fonte incógnita ou sem credibilidade conhecida, transforma-se no odioso nacional.
É claro que, passada a euforia informativa do caso, jornalistas, políticos, fazedores de opinião e irresponsáveis em geral, viram as costas e esquecem a criancinha ou o velhinho a quem julgam ter dado os seus 15 minutos de fama. Para trás fica normalmente um rasto de destruição, relações arruinadas e algumas vidas irremediavelmente despedaçadas, agora abandonadas pelo mediatismo e, por isso, de novo votadas ao sofrimento incógnito.
Não sei se o relatório da Inspecção Regional de Educação está bem feito. Nem sequer sei o que diz ao certo. Não sei o que se passou naquele dia em que uma criança caiu, foi atirada ou se atirou ao rio. Sei, com toda a certeza uma coisa: desde que li a primeira notícia sobre o caso que tenho pensado e muito nas consequências para a vida dos seus jovens colegas. Penso nos que eventualmente o terão alguma vez agredido, nos que não o terão nunca agredido e nos que, um dia, lhe deram um encontrão ou apontaram o dedo no recreio.
Penso se não terão todas aquelas pequenas almas pelo menos os mesmos direitos e mais alguns do que o Primeiro-Ministro. Almas que, ao contrário do nosso chefe de Governo, não são figuras públicas, não se puseram a jeito da imprensa e, mesmo que um dia venham a ser dados como culpados da morte de um colega – acusação gravíssima, violentíssima e, honestamente, muito pouco plausível com aquilo que sabemos – têm direito a serem tratados como seres humanos e até à sua privacidade. O anátema que sobre si cai, os pesadelos que terão tido até hoje e, se calhar, terão até aos últimos dias das suas vidas, já nenhum de nós lhos tira.
Sejam ou não culpados de alguma coisa, tenham ou não, alguma vez, chamado um nome feio ao colega no recreio, são seres humanos brutal e insensivelmente violentados. Para eles, ao contrário do que acontece para a classe política, nem sequer é válida aquela máxima que há anos adia reformas estruturas na Justiça e no combate à corrupção, que diz que “não se pode legislar em cima de casos concretos…”
Mas já era óbvio que não confirmasse. Eu não digo que existisse bullying, mas acho que existe, sim, violência. A mesma violência que há dois anos levou a mesma criança ao hospital, onde esteve internada dois dias. Mas se fosse uma criança filha de pais ricos, talvez a história fosse outra. Assim...ninguém teve culpa.... Ah, mais uma coisa, na altura em que a criança decidiu entrar no rio, porque tomou essa decisão, consciente ou insconscientemente, estava um frio de rachar no nordeste transmontano e o rio acima do seu leito normal....
ResponderEliminarVoltamos ao mesmo... discutimos factos que não conhecemos e esquecemos que neste caso não há só uma vítima
ResponderEliminar