Defende um nosso colega de blog que deveria surgir em Portugal uma nova geração de políticos: políticos católicos. Não tenho nada contra o facto dos católicos defenderem que devam ser os seus a “tomar o poder”, seja ele o poder local, nacional ou, porque não, até o pequeno poder que às vezes julgamos ter e não temos. Respeitando, portanto, essa ideia de transportar para a política os valores da Igreja Católica, bem como os seus princípios e práticas, estranho, contudo, a argumentação. Argumenta esse “blogger” de sofá, que por acaso é jornalista e há uns anos era político e chegou a ser candidato a alguma coisa, que “quase todas as semanas, assistimos a um qualquer escândalo político. São muitos e variados os casos dos políticos que não desempenham as suas funções de serviço público com rectidão”. E continua: “Se nos governos os casos são muitos, nas autarquias 'são mato'. Acredito até que, mesmo não sendo tão mediáticos, é nas autarquias que está a maior fatia do problema do país”. É neste tipo de argumentação que encontro a minha absoluta discordância. Ficaria até preocupado caso acreditasse que poderia ser esse o destino local ou nacional da política portuguesa.
"A actual geração de políticos é católica. Valentim Loureiro, Isaltino Morais e Fátima Felgueiras são fervorosos católicos praticantes e públicos defensores dos valores da Igreja"
De facto, num país maioritariamente católico, o que mais temos tido é católicos a tomar conta do poder político, sobretudo ao nível local. E, por vezes, tem sido a própria Igreja a assumir oficiosa mas claramente posições políticas e evidentes apoios eleitorais. É assistir às missas por esse “Portugal profundo”. Diria mesmo que a actual geração de políticos é católica. Valentim Loureiro, Isaltino Morais e Fátima Felgueiras são fervorosos católicos praticantes e públicos defensores dos valores da Igreja, de que não abdicam. E serão estes apenas exemplos da esmagadora maioria da classe dos autarcas onde, injustificadamente, o cronista/blogger encontra a maioria dos “pecados”.
E quanto à interferência e até ingerência da Igreja Católica na política ao nível do Estado, escuso-me a recuar no tempo e a fazer referências históricas ao Antigo Regime ou mesmo aos tempos da Inquisição para ter razão. Reportando-me a momentos contemporâneos, e sem querer embarcar nos julgamentos precipitados que – concordo –, como sempre, têm sido feitos a propósito da pedofilia no clero, a verdade é que, o mínimo que se pode dizer, é que a Igreja Católica tem sido absolutamente incompetente a gerir a falta de ética, de valores humanos e de decência humana de alguns (muitos?) dos seus sacerdotes. A rígida e disciplinada hierarquia da Igreja e os valores e dogmas em que se sustenta, conseguiram evitar os escândalos? Ou conseguiram apenas adiar o seu conhecimento público, em nome da “imagem” da instituição? É isso que queremos transportar para o poder político? São estes os valores que os tais “políticos católicos” nos têm para oferecer?
Se as velhas, menos velhas e actuais gerações de políticos católicos nos têm dado tão elevados exemplos – na opinião do ilustre colega serão “escândalos”? - porque nos poupariam as novas gerações de políticos católicos aos mesmos resultados?
Mas esqueçamos, por instantes, toda a História da Humanidade e mesmo a actual história que os jornais nos contam – e esqueçamos mesmo as vítimas, se possível – por breves instantes, para nos determos no seguinte: há um Estado na Europa que não apenas tem católicos no poder, como se assume como sendo “o Estado Católico”. Chama-se Vaticano e entre escândalos políticos e financeiros – melhor ou pior encobertos –, alguns dos quais levaram mesmo à falência de bancos, como o Ambrosiano e a dar guarida a criminosos da alta finança – de tudo se tem assistido. Encaixa esse modelo político que hoje ainda comanda o Estado do Vaticano nos valores que o nosso cronista, colega, blogger, jornalista e político preconiza? E essa tal nova geração de políticos católicos, cuja existência não está à vista, concorda que se gaste num Portugal em crise financeira/económica/social/moral profunda 200 mil euros num palco para que o chefe das suas ideias dogmáticas discurse?
"Não posso aceitar a ideia que valores como os da vida, da honra, do respeito e da verdade sejam apropriados por esta ou aquela confissão religiosa"
A verdade é que Igreja Católica e quaisquer outras Igrejas nunca foram o melhor condimento da política. Nem na Irlanda, nem no Médio Oriente, nem nos Estados Unidos, nem na África e tão pouco em Portugal. Deve ser por isso que nos países com democracias consolidadas, como o nosso, o Direito limita e mesmo proíbe tais interferências e candidaturas. Nem os partidos podem ter confissões religiosas, nem os sacerdotes podem ser candidatos.
Por tudo isto – que não é nada pouco – e sem negar o relevante e meritório papel social, doutrinal e moral que a Igreja Católica desempenha na sociedade portuguesa – e que merece todo o meu respeito e até apoio –, não posso aceitar a ideia que valores como os da vida, da honra, do respeito e da verdade sejam apropriados por esta ou aquela confissão religiosa. Os católicos não são donos do respeito nem detentores exclusivos de princípios éticos e morais. Nem tão pouco têm sido o melhor exemplo da aplicação de qualquer moral, bem pelo contrário. Eu, e muitos outros portugueses, defendemos os mesmos valores, sem precisarmos que os “dogmas” do Consílio do Vaticano nos imponham convicções, porque a bondade e a tentação não se regulam por decreto papal. E é disso que a política portuguesa precisa: de convicções, mas também de coragem para deitar para trás das costas dogmas milenares, hoje transformados em “sound bites” ditados por organizações como a Opus Dei, por mais respeitosas e legítimas que sejam.
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