Há uns anos, um jornal nacional fez uma história ao jeito “olha
como ele é populista” sobre um autarca que mandava condolências às famílias de
todos os munícipes falecidos. Hoje, após um lamentável acidente que vitimou 11
pessoas, o Presidente da República enviou oficialmente condolências às famílias
das vítimas e ninguém estranha.
Na prática, é a mesma coisa e nem vale a pena virem-me com a
ideia de que morrerem 11 pessoas é uma tragédia e morrer só uma não é, porque a
morte de alguém próximo é sempre uma tragédia e as tragédias são sempre
incomensuráveis, pelo menos para os seus familiares. E era a eles que se
dirigiam as condolências.
Além do mais, as condolências do Presidente da República
levam-me a outra questão: quantas pessoas deverão morrer num mesmo acidente
para que os familiares de cada uma delas tenham o direito a receber as
condolências presidenciais? É que já tenho sabido de acidentes onde morrem
cinco, quatro, seis e não me consta que haja condolências de Belém.
Se o autarca alvo da chacota no jornal, a que me referi no início
deste texto, é populista, então o mínimo que se pode dizer do Presidente da
República é que é um populista pouco equitativo e que, em coerência, deveria
enviar-se a si próprio para o Tribunal Constitucional a fim de averiguar a
constitucionalidade sucessiva dos seus pêsames. Uma coisa sei: o autarca
criticado pelo jornal passava nesse acórdão.
Mas a questão das condolências às famílias das vítimas da
Sertã tem ainda um episódio mais estranho. José António Seguro, secretário-geral
do PS, também enviou condolências, podendo-lhe ser aplicadas as mesmas questões
de iniquidade constitucional que se colocam ao Presidente da República, mas neste
caso Seguro apenas o fez “às famílias dos portugueses mortos”.
Que conste todos os acidentados eram portugueses. Ou melhor,
por ausência de informação das suas nacionalidades presume-se que fossem.
Porquê, então, Seguro especificar “portugueses”? E se, entre os mortos, um
fosse tailandês ou, por exemplo, brasileiro? Ficaria de fora das condolências
socialistas? E se fossem todos estrangeiros? E se os estrangeiros fossem
turistas ingleses ou emigrantes quenianos, haveria diferença?
O Partido Socialista português só lamenta mortes nacionais,
mesmo que ocorram num acidente na Sertã? E se Seguro soubesse que entre as
vítimas estariam 10 portugueses e um espanhol, descriminaria? E se fossem de 11
nacionalidades diferentes? Nomearia cada uma das nacionalidades, daria condolências
às famílias de apenas o português presente ou, não estando cumprida a cota
mínima de mortos portugueses que os políticos importantes e não autarcas
populistas consideram, não daria a ninguém?
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