Desde há anos nos habituamos a alguma histeria televisiva
sobre as participações das Seleções Nacionais em fases finais de campeonatos.
Contudo, nunca como desta vez a distância entre a cobertura noticiosa e o
sentimento real dos portugueses foi tão evidente. Há dois dias assistia a mais
uma reportagem sobre mais uma passagem do autocarro com os jogadores por uma
rotunda, facto totalmente desprovido de interesse noticioso, em si, mas que
conseguiria entender se correspondesse ao interesse do público. Contudo, a
própria jornalista da estação de TV que fazia a transmissão afirmava que
estavam “dois adeptos” no local, o que demonstra bem o enorme desfasamento não
apenas do interesse público mas também já do interesse do público para com o
objeto de reportagem.
Mais grave é o que se passa nos bastidores da Seleção. Uma
estação de televisão privada ganhou o direito a fazer a cobertura “em exclusivo”
do que considera serem os “bastidores da Seleção”. As reportagens passam em
blocos noticiosos especiais ou formais de informação. Ou seja, nos próprios serviços
diários de informação. Estas “reportagens”, contudo, levantam grandes questões
do ponto de vista ético e deontológico, além de serem de interesse muito
duvidoso, quer para o público quer para a própria Seleção.
E porquê? Em primeiro lugar porque não se percebe a razão de
ser aquela estação de televisão em concreto a ter acesso a parte dos factos e
não todas as outras? A Seleção Nacional e, mais formalmente, a Federação
Portuguesa de Futebol não são entidades ou objetos privados. São instituições
que representam o País e a Federação tem o estatuo de interesse público sem
fins lucrativos. Importa, pois, que as suas decisões e nomeadamente as que
implicam vantagens comerciais, tenham relevância pública, sejam publicitadas e
defendam esse mesmo interesse coletivo. No caso concreto, não se conhecem os
termos do acordo e que vantagem, se a há, para a Federação.
Pode então perguntar-se: que interesse público existe na
divulgação dos bastidores da Seleção? O que ganha a Federação com isso. O que
ganha a Seleção? Os jogadores sentem-se melhor, mais tranquilos e desempenharão
melhor as suas funções perante a presença constante das Câmaras? Que vantagens
monetárias existem que o justifique? Quem ganha? Quanto ganha. O que ganha o
país ao deixar uma estação de televisão entrar os quartos, nos balneários, no
departamento médico a toda a hora?
Mas há outra questão, além da do interesse público da
Seleção. É a do interesse público da informação e é a questão da ética e da
deontologia jornalística. Estando uma ou mais estações de TV ou outros
jornalistas autorizados a circular e a cobrir “em exclusivo” determinados
momentos que, à partida, seriam do foro íntimo de um grupo de trabalho, que
condições lhe formam impostas? Têm esse jornalistas, que aceitaram com os seus
editores e diretores, limitações ao seu trabalho? Estando uma equipa de
reportagem dessas num balneários e sentido o Selecionador a necessidade de “dar
dois berros” a um jogador, é livre o jornalista de editar as imagens e divulga-las
no “telejornal” seguinte? E se Saltilho se repetir? Que tipo de reportagem podemos esperar?
É que se assim não é, estamos perante um princípio de
censura assumida e consentida, o que é inaceitável. Ou melhor, deveria ser
inaceitável para a estação de TV e para os jornalistas em causa. No mínimo, a
estação de TV ou o órgão de informação que se sujeitasse a tal constrangimento
de edição, deveria informar o telespetador de tal facto.
Estamos, portanto, perante uma histeria jornalística que não
é nova – mas que particularmente desta vez nem sequer corresponde a qualquer
histeria pública – e estamos perante atos, ditos “jornalísticos” que não apenas
são potencialmente lesivos à Seleção e ao interesse público que a Federação
jurou defender, como também potencialmente lesivos do interesse público que,
por definição, os jornalistas devem defender.
Era bom que alguém fosse capaz de esclarecer este assunto e
nos viesse dizer se estamos perante uma total irresponsabilidade da Federação –
Paulo Bento incluído (ver artigo com opinião de Manuel José) – expondo os verdadeiros bastidores de um grupo de
trabalho que se quer fechado, ou se estamos perante uma monumental mentira,
credibilizada pela capa de um jornalismo barato e que, despudoradamente vai
acabando com a réstia de bom nome que a profissão detém.
Sem comentários:
Enviar um comentário