segunda-feira, 11 de abril de 2011

O funeral foi bonito, pá!

A celebração estava marcada para mais cedo. Mas foi atrasada para se esperar que a autópsia fosse feita. Chamado o cangalheiro, era então tempo de despedida. O morto era gente importante e conhecida. Mas, como muito gente importante e conhecida, um verdadeiro inútil que chegou ao poder sem saber como. Talvez porque o trajeto profissional fosse difícil, mesmo impossível, e com parcas habilitações, cedo se dedicou a gerir aquilo que apelidava de amizades, mas que no fundo não passavam de relações de mera conveniência. E lá foi subindo, discreto, mas eficaz na forma como distribuída dividendos pelos que o ajudavam a subir. De reles competência mas bem-falante, corroía-o a ideia de ser apenas “senhor” num mundo de doutores. Nada que um amigo não resolvesse, em troco de um favor passado ou futuro, em nome da tal “amizade” cujos princípios aprendera no cinema com “O Padrinho”. Sem saber fazer contas e quase sem saber falar as línguas que o diploma certificava, o agora “diplomado” encontrou uma qualidade que o distinguia: a determinação. E assim se publicitou, rodeando-se de mais amigos, de mais afilhados e aprendendo, com outros “padrinhos”. Era um homem grato e não houve primo ou prima, tio ou tia que não soubesse ajudar. Bom filho, não esqueceu a mãe! Era habilidoso. Muito habilidoso. Tinha um jogo de cintura notável, embora por vezes demasiado marcado para o mundo de homens em que se movimentava. Mas conseguia sempre (quase sempre) esconder-se atrás de algum dos “amigos” que promovera, sacrificando-o. Os gritos com que presenteava os que o rodeavam e os inibia de o chamar à razão e a esquizofrenia galopante que o colocavam num mundo "maravilhoso" que apenas ele conhecia, fizeram-no, um dia, entrar cegamente numa auto-estrada em sentido contrário. Azelha ao volnate por natureza, escapou por milagre a vários acidentes. Vários foram os automobilistas que o avisaram, acendendo luzes, buzinando, acenando. Mas, como sempre, estava determinado. Tão determinado que ao volante do seu bólide comprado em Alcochete, lamentava que tanta gente estivesse enganada e estivesse a tentar atingi-lo. Contudo, a sua sorte tinha que ter um fim. O seu ferrari enferrujado chocou de frente com um autocarro, vitimando muita gente e deixando o país consternado. A morte, para ele, chegara tarde de mais para se evitar a tragédia que atingiu tanta gente. Mas, como sempre, a hipocrisia de uns e a vontade de outros em ver-se livre de tal lixo, levou os seus "amigos" a fazerem-lhe um grande funeral. No grande templo, celebraram-se as suas exéquias. Elogios fúnebres de circunstância. Mentiras puras que ninguém leva a mal e que a história levará para o caixão com o morto. Lagrimas, também, muitas, pouco sentidas mas bem encenadas por uns. Bem choradas por outros pelas dívidas que deixou por pagar. E um filme lindo sobre a vida do finado. A Nação, mesmo não estando lá nem querendo estar, também foi evocada. A bandeira nacional cobriu-lhe o caixão, numa ironia, esse foi a última usurpação que protagonizou, usando as cores, as armas e o brazão que não era seu. Mesmo assim, o funeral foi bonito, pá! Até parecia uma festa.

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