quarta-feira, 16 de março de 2011

Jornalismo radioactivo

Ontem logo pela manhã liguei uma das principais rádios nacionais. Tristemente, as rádios portuguesas não conseguem enviar um jornalista a uma crise como a que se vive no Japão. Recorreu, então, essa rádio, a uma jornalista de uma agência de informação, para fazer uma reportagem que foi colocada no ar. Mais palavra menos palavra – mas o que vou transcrever é quase textual, a jornalista disse o seguinte: Os japoneses não acreditam no seu Governo e acham que não lhes está a ser dita toda a verdade sobre a ameaça nuclear. Ainda esta manhã falei com um jornalista japonês que me disse isso e ontem à noite estive no hotel onde dormi com um jornalista dinamarquês que tinha acabado de chegar a Tóquio e me disse que já estava a pensar regressar à Dinamarca porque tinha medo da radioactividade e que eu também deveria ir embora.
A reportagem foi apenas e só isto. Os japoneses e a sua crença na palavra do Governo foram resumidos à opinião do que um jornalista japonês lhe terá dito no hotel nessa manhã, sustentando-se o resto dessa convicção jornalística nos medos de um jornalista dinamarquês acabado de chagar… da Dinamarca.
Eu que tinha passado a noite a fazer zapping entre a CNN, a BBC e a Sky News sabia que a principal preocupação dos habitantes de Tóquio era a escassez de bens nos supermercados e que, quanto à radioactividade, estavam a encarar, como de costume, a ameaça real com grande civismo e calma, saindo à rua com as suas máscaras e colocando bonés, lavando-se com especial frequência e acompanhando em permanência as notícias. Sabia também que os especialistas não são unânimes quanto às consequências da radiação, sabia que tipo de radiação poderia estar a ser libertada e sabia que os ventos Norte que tinham começado a soprar eram o principal tema de conversa de rua dos japoneses.
Sabia muito mais, resultante de verdadeira reportagem em Tóquio, baseada em depoimentos, factos, imagens e sons.
Na rádio portuguesa, fiquei com mais um exemplo de mau jornalismo, falta de rigor, afirmações gratuitas e irrelevantes.
Não digo qual foi a rádio nem quem era a jornalista. Posso ter sido eu a ter azar e aquele momento infeliz de rádio não ser sequer exemplificativo do trabalho sério de uma jornalista competente, numa rádio que até tem muitos méritos e competência. Mas a verdade é que não posso deixar de ficar profundamente preocupado com este episódio que serve de amostra ao mau jornalismo que vemos, lemos e ouvimos diariamente em Portugal. Preocupado não apenas por esta peça ter sido elaborada mas mais ainda por ter chegado a ir para o ar.
Tanto como quando vejo uma Estação de TV nacional, apontar uma webcam de um PC dentro de um quarto de hotel de Tórquio para uma janela  e assim permanecer durante 10 minutos, sem que haja naquela imagem qualquer informação ou sequer, qualquer dado que distinga o bocado de céu e a ponta de um edifício deTórquio de uma outra que poderia estar a ser recolhida na Bobadela ou em Alcabideche. O "directo" não é um valor em si. O Jornalismo sim. Mas infelizmente esse está cada vez mais ausente na maioria das reportagens histéricas que vemos sobre este tipo de acontecimento.

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