terça-feira, 13 de abril de 2010

O jornalismo sobre religião em Portugal

A independência do jornalista não depende da sua filiação ou preferência. A independência do jornalista depende exclusivamente da sua consciência e da sua competência. Sei que pode parecer estranho para quem nunca escreveu num jornal ou mesmo para muitos que escrevem. Mas é mesmo assim. E essa capacidade nada tem a ver com a ausência de espírito crítico. O jornalista não pode apenas ser um pau de microfone, que matematicamente questiona ambas as partes de uma forma acrítica e fria. E é este difícil equilíbrio que é difícil encontrar. O equilíbrio entre o espírito crítico, humano e rico, e a isenção e distanciamento, independente de convicções pessoais.
Vem isto a propósito da cobertura jornalística que a generalidade dos órgãos de comunicação social está a dar à visita do Papa a Portugal. Mas não seria necessária a visita papal. Há muito que noto, e me incomoda, uma certa tendência que se sente na comunicação social portuguesa. E essa tendência é clara: os assuntos religiosos são quase sempre tratados na comunicação social por católicos mais ou menos engajados ou formados na estrutura da própria Igreja.
Não me atrevo a questionar a legitimidade, independência ou capacidade jornalística de cada um deles individualmente, mas não deixa de ser estranho que assim seja e que ninguém na classe se questione sobre o assunto. Haja uma visita papal, uma inauguração de uma faustosa catedral em Fátima ou uma querela religiosa envolvendo protestantes ou islâmicos em Portugal, e a reportagem é feita, quase invariavelmente por diáconos, ex-padres, seminaristas e, ainda mais frequentemente, por católicos assumidos, cuja convicção religiosa transparece quer na linguagem quer na condução da própria narrativa.
E isto não acontece apenas nos órgãos de comunicação social mais conservadores. É olhar para as televisões privadas portuguesas, para as rádios nacionais ou para jornais com grande tiragem. E é olhar para os comentadores, cronistas, colunistas e “especialistas” que são convidados a falar ou a escrever, sempre que a Igreja Católica tem algo de positivo ou negativo para ser tratado.
Portugal é um país maioritariamente católico, dizem-me. Verdade. Mas também me dizem que há em Portugal seis milhões de benfiquistas e que nos últimos quatro anos vivemos com uma maioria absoluta socialista. Como não entenderia que a esmagadora maioria dos jornalistas, especialistas e comentadores de futebol ou política fossem evidentemente e confessadamente benfiquistas ou socialistas, não entendo porque razão os princípios do jornalismo se alteram quando o assunto é religioso.
Que Portugal tenha entregado, por razões históricas que compreendo, várias frequências nacionais de rádio, sem concurso, a uma confissão religiosa, posso aceitar. Que uma cerimónia católica em Fátima seja transmitida e comentada por um padre, posso concordar. Mas que os princípios do equilíbrio, isenção, distanciamento e espírito crítico sejam afectados, já não individualmente apenas por cada um dos jornalistas, mas desde logo pelos critérios na sua selecção, penso ser absolutamente discriminatório de outras confissões religiosas e, evidentemente, lesivo do próprio jornalismo.
Portugal pode ser um país maioritariamente católico, mas o Estado é laico. Assim como um Governo pode ser maioritariamente socialista e o Estado continuar a ser democrático. Mas, se a imprensa dá mostras de não ter gostado que os princípios democráticos da liberdade de imprensa fossem ou tivesse havido tentativas para os subverter, também deveria questionar-se sobre as razões que a levam a ser tão suavemente crítica sobre si própria quando o assunto é religioso.

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